De saco cheio com a terapia, drogas que não surtem efeitos (positivos) e pessoas que dizem "você tem que se ajudar!", resolvi registrar os altos e baixos da minha mente doentia para ver o que acontece. Identifica-se? Concorda? Acha frescura? Comente.

domingo, 10 de outubro de 2010

Fuck you, I wont do what you tell me!


    Minha percepção sobre a música é bem parecida com o que eu disse sobre o cinema no post anterior. Diversão é a palvra de ordem. Não me importo muito com técnicas ou grandes mensagens filosóficas (se não fosse assim seria impossível gostar do som cru dos Ramones ou até do sofisticado Moby, visto que a técnica do primeiro é zero e as letras do segundo são quase inexistentes).
    Mas nem sempre foi assim. 
    No fim de minha adolescência, nos anos 90, com minha bipolaridade provocando oscilações de humor insuportáveis, minha (homo)sexualidade aflorando e meus conflitos com a religião, eu me sentia deslocado no mundo. E, por não haver televisão e livros que não fossem a Biblía em casa, a música me ajudou a aguentar aqueles anos loucos, até eu entender o que se passava comigo e procurar tratamento. 
    Numa situação assim, a melhor música para sufocar as mágoas é a música de protesto. E dentre as (muitas) bandas que conheci, a que mais ajudou a expressar minha revolta contra o "sistema" foi o Rage Against The Machine, banda americano formada por descendentes latinos, que tocou ontem no festival SWU, em Itu, SP.
    O próprio nome da banda já era inspirador: Fúria  contra a máquina. E ficou bem mais adequado quando o grupo gravou a música-tema do filme Matrix, meu filme preferido até agora, em 1997.
    As letras, uma miscelânea de influências esquerdóides do mundo afora, eram um atrativo à parte, naqueles dias sem Google Translate, quando traduzíamos com um mini-dicionário emprestado da biblioteca. Ninguém sabia muito bem quem era Che Guevara ou Zapata, mas era ótimo sair pelas ruas gritando "Burn, burn, yes ya gonna burn!!!"
    A guitarra de Tom Morello produzia ruídos espetaculares. Difícil acreditar que aquilo não era produzido por sintetizadores. O vocal de Zack de La Rocha, meio estridente, falado, gritado, quase rap, insuportável para os não iniciados, quebrou de vez a barreira entre o rock e o hip-hop, influenciando bandas atuais como Linkin Park, Evanescense, Korn, Limp Bizkt e Slipknot.
    Mas o tempo passou.
    Ampliei meu gosto musical, resolvi muitos dos meu conflitos, arrumei outros, o Rage se separou sem tocar no Brasil e o interesse pela banda diminuiu.
    Com a volta da banda, 7 anos depois do último show, e a possibilidade de tocar no Brasil  no dito festival, nem cheguei a cogitar ir ao show, afinal, os tempos são outros e não curto mais estar no meio de um monte de moleques revoltados.
    Mas a Rede Globo (sim a Globo!) anunciou que transmitiria compactos do evento e eu quis conferir.
   Fiquei até tarde esperando acabar o odioso Zorra Total (em outro canal tinha o também odioso Legionários) e, em seguida, o repugnante Todo Mundo em Pânico 4.
    Minha expectativa era de alguns takes e comentários sobre o show, além das tradicionais entrevistas com os fãs que acampam no local, enfim, essa cretinice comum à toda cobertura de eventos musicais que a Globo faz. Sim, cretinice. Pois o mais importante num festival é a MÚSICA e não quantos dias um debilóide ficou numa barraca,sem tomar banho, para ver seu ídolo de perto.
    Mas, para minha (boa) surpresa, após uma música bacaninha dos Los Hermanos (O Vencedor) e uma medonha do Mars Volta, foi feita a transmissão não de uma, mas de 07 (SETE!!!) músicas do RATM. 
    Foram elas, não exatamente nessa ordem:
    - Testify;
    - Bullet In The Head;
    - Bombtrack;
    - Know Your Enemy;
    - Killing In The Name;
    - Bulls On Parade;
    - People Of The Sun.
    Tudo devidamente editado, sem tradução ou explicação das letras e discursos (antes de People of the Sun, Zack reverencia o MST), com o apuro técnico que é praxe da Globo e sem mostrar as confusões entre fãs exaltados e seguranças. E ainda tinha a foférrima Danielle Suzuki fazendo comentários coerentes como: "o som 'iraadoo' do Rage" ou ainda " a fúria do Rage".
    Ficou estranho, considerando que a frase-título deste post (ah, não vou traduzir, deu preguiça) foi gritada várias vezes, por 50.000 pessoas, na música Killing in the Name, e a Globo encabeça, atualmente, a cobertura jornalistíca eleitoral mais parcial e tendenciosa de que se tem notícia.
    Mas valeu assim mesmo.
    O show estava impecável e as músicas relembraram momentos de fúria na minha vida, quando eu sofria muito por não admitir o que eu sentia. Fui dormir em paz, depois das pancadas sonoras vindas da TV.


Trilha sonora do post: um trecho do show exibido pelo Multishow, com a citação ao MST :