
Mas nem sempre foi assim.
No fim de minha adolescência, nos anos 90, com minha bipolaridade provocando oscilações de humor insuportáveis, minha (homo)sexualidade aflorando e meus conflitos com a religião, eu me sentia deslocado no mundo. E, por não haver televisão e livros que não fossem a Biblía em casa, a música me ajudou a aguentar aqueles anos loucos, até eu entender o que se passava comigo e procurar tratamento.
Numa situação assim, a melhor música para sufocar as mágoas é a música de protesto. E dentre as (muitas) bandas que conheci, a que mais ajudou a expressar minha revolta contra o "sistema" foi o Rage Against The Machine, banda americano formada por descendentes latinos, que tocou ontem no festival SWU, em Itu, SP.
O próprio nome da banda já era inspirador: Fúria contra a máquina. E ficou bem mais adequado quando o grupo gravou a música-tema do filme Matrix, meu filme preferido até agora, em 1997.
As letras, uma miscelânea de influências esquerdóides do mundo afora, eram um atrativo à parte, naqueles dias sem Google Translate, quando traduzíamos com um mini-dicionário emprestado da biblioteca. Ninguém sabia muito bem quem era Che Guevara ou Zapata, mas era ótimo sair pelas ruas gritando "Burn, burn, yes ya gonna burn!!!"

Mas o tempo passou.
Ampliei meu gosto musical, resolvi muitos dos meu conflitos, arrumei outros, o Rage se separou sem tocar no Brasil e o interesse pela banda diminuiu.
Com a volta da banda, 7 anos depois do último show, e a possibilidade de tocar no Brasil no dito festival, nem cheguei a cogitar ir ao show, afinal, os tempos são outros e não curto mais estar no meio de um monte de moleques revoltados.
Mas a Rede Globo (sim a Globo!) anunciou que transmitiria compactos do evento e eu quis conferir.
Fiquei até tarde esperando acabar o odioso Zorra Total (em outro canal tinha o também odioso Legionários) e, em seguida, o repugnante Todo Mundo em Pânico 4.
Minha expectativa era de alguns takes e comentários sobre o show, além das tradicionais entrevistas com os fãs que acampam no local, enfim, essa cretinice comum à toda cobertura de eventos musicais que a Globo faz. Sim, cretinice. Pois o mais importante num festival é a MÚSICA e não quantos dias um debilóide ficou numa barraca,sem tomar banho, para ver seu ídolo de perto.
Mas, para minha (boa) surpresa, após uma música bacaninha dos Los Hermanos (O Vencedor) e uma medonha do Mars Volta, foi feita a transmissão não de uma, mas de 07 (SETE!!!) músicas do RATM.
Foram elas, não exatamente nessa ordem:
- Testify;
- Bullet In The Head;
- Bombtrack;
- Know Your Enemy;
- Killing In The Name;
- Bulls On Parade;
- People Of The Sun.
Tudo devidamente editado, sem tradução ou explicação das letras e discursos (antes de People of the Sun, Zack reverencia o MST), com o apuro técnico que é praxe da Globo e sem mostrar as confusões entre fãs exaltados e seguranças. E ainda tinha a foférrima Danielle Suzuki fazendo comentários coerentes como: "o som 'iraadoo' do Rage" ou ainda " a fúria do Rage".
Ficou estranho, considerando que a frase-título deste post (ah, não vou traduzir, deu preguiça) foi gritada várias vezes, por 50.000 pessoas, na música Killing in the Name, e a Globo encabeça, atualmente, a cobertura jornalistíca eleitoral mais parcial e tendenciosa de que se tem notícia.
Mas valeu assim mesmo.
O show estava impecável e as músicas relembraram momentos de fúria na minha vida, quando eu sofria muito por não admitir o que eu sentia. Fui dormir em paz, depois das pancadas sonoras vindas da TV.
Trilha sonora do post: um trecho do show exibido pelo Multishow, com a citação ao MST :
Trilha sonora do post: um trecho do show exibido pelo Multishow, com a citação ao MST :